quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Show de sons e luzes


Delhi é o caos. Não dá para definir melhor do que isso. Aqui você se pergunta qual é o limite no qual é possível viver.
Quão sujo, desorganizado, precário, pobre, quebrado, velho, sem infra-estrutura, sem segurança, sem saneamento básico, sem regras de trânsito, sem dinheiro, sem ajuda de governo pode ser um lugar que as pessoas ainda consigam viver uma vida inteira e fazer tudo o que tem que fazer.

O trânsito é infernal, e se uma imagem vale mais do que mil palavras, basta dizer que o taxista bateu o carro (bateu mesmo, nada de só uma raladinha) num caminhãozinho, e que assim começou nossa primeira tarde na Índia.

Eles são miseráveis, mesmo, mas de alguma maneira muito bizarra e inexplicável, você não se sente mal. Pra falar bem a verdade, do fundo do coração, dá um pouco de alívio. De desmontar um pouco a pose, de poder parecer esquisita. De não ter que parecer limpinha, lindinha, educada, bem de vida, formada, mestrada, doutorada, pos-doutorada, apartamento comprado, cargo, carro, namorado. Estranhamente, vendo que dá pra viver em condições tão absurdas, é bom lembrar do que você tem, e saber que até dava pra ter menos, que ia ser possível do mesmo jeito. Sem apologia ao hare krishna que sai por ai de pijama e acha que isso resolve o pepino espiritual de cada um, porque não dá vontade de abrir mão de tudo. Só dá mais vontade de não se preocupar tanto com esse tudo.

Na Old Delhi, a grande atração é o Red Fort, que é realmente bonito e realmente vermelho, dentro de onde existem alguns palácios bem bacanas e um bazar meio chinfrin.

Quando entramos estava quase escuro, e depois de alguma luta pra entender o que o guardinha estava falando, entendemos que iríamos assistir um show de sons e luzes, mas em indi, uma vez que a apresentação em inglês só começava às 19h30. Tudo bem, vamos ver em indi mesmo.

A apresentação era um teatro falado (aliás, gravado), contando a história de Delhi, fatos e personagens. A platéia ficava num espaço enorme, naturalmente criado pela implantação dos palácios. As caixas de som estavam espalhadas, e cada personagem falava de um lugar diferente, assim, com todos os clichês possíveis: a voz retumbante do narrador, cavalos relinchando pra representar a cavalaria de guerra, risadinhas de mulheres significando as fofocas de alcova que fazem parte de todo reinado. Acho que isso era o que eles queriam dizer com show de sons.

Mais o mais bacana era a parte luzes do show. Conforme a história ia rolando, eles iam acendendo uns spots nos palácios, na mesquita, na casa de banho. Por dentro, por fora, de cima pra baixo, de baixo pra cima, branco, vermelho, azul, forte, fraca. Fique passada com a solução incrível que eles encontraram de fazer um teatro barato, prático, repetitivo, padronizado (praticamente cinema!), construindo, com a única coisa que eles têm na mão (a beleza dos palácios, a sua volumetria incrível, variada, exótica, cenográfica) uma narrativa que deve entreter centenas de turistas estrangeiros e indianos há anos. Simples, esperto e genial!

3 comentários:

Lu Orvat disse...

Um professor (grego!) de cultura grega da disciplina de filosofia da Olgaria disse na aula:

- Não há projeto moderno ou antiquado. Há projeto inteligente e burro.

será?

Unknown disse...

"O que eu queria comentar é que acho que ela está coberta de razão. Quando eu disse que gostaria que essa viagem fosse uma reflexão interior, isso está tendo frutos. Porque só quando existe um choque de contrastes, um atrito muito grande, é que a gente consegue acordar e enxergar essas diversas películas da realidade."

Mammy (com pappy babando ao lado!).

Unknown disse...

Essa é do Puppy:

Eu sabia que o pessoal da Vinte de Cinco de Março não tinha inventado aquilo. É tudo importado!

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