domingo, 28 de dezembro de 2008

Ressaca moral e outras considerações

Acontece que chega uma hora que você começa a se sentir ridículo e com vergonha de ter atravessado meio mundo para vir até aqui. Pra ver o quê? Que eles vivem na merda? Na total e completa miséria? Que são uns pobres coitados esquecidos nesse fim de mundo, sem água, sem luz, sem comida, zanzando pelo meio da sujeira, inventando uns truquinhos pra sobreviver? Pra ver uns palácios meio repetidos? Pra ver o Taj Mahal, que o desgraçado do imperador construiu de mármore puro, às custas do trabalho escravo de 20 mil pessoas, pra enterrar a esposa, ao invés de construir qualquer porcaria que fosse pra melhorar a vida do povo?

Aí a gente tem coragem de ficar bravo quando eles fazem um teatrinho pra arrancar uma rúpias, botam umas crianças lindinhas (e são lindinhas de verdade) pra amolecer o coração dos gringos e ver se a gente acredita que aquele cara de pijama é um ser espiritualmente elevado que cuida do templo com a família, olha que nobre e que sagrado, e aí você deixa uma rupinhas e vai embora com o rabo no meio das pernas se sentido um ser humano um pouco menos horroroso.

Mas na mesa do restaurante dos gringos, chorei igual criança, de vergonha de estar aqui, turistando no meio da pobreza, como se essa desgraça toda de alguma maneira fosse atração pra ser vista, só falta um cara cobrando ingresso na chegada do aeroporto internacional: compre aqui sua entrada pro freak show da miséria e do abandono, é tudo bem em conta, e qualquer gorjeta é ridícula de tão barata, caso se interesse em convertê-la pra moeda corrente em seu país, mesmo que esse país também seja um país pobre como o Brasil.

Aí o Lonely Planet fala que Jaipur é o paraíso das compras, e dá vontade de chorar vendo as lojinhas pobres, as barraquinhas, as coisinhas baratinhas, as mercadorias lindas às vezes, mas sujinhas e mequetrefes na maior parte do tempo, e a gringaiada vem aqui feliz da vida, barganhando com a miséria, achando engraçado o improviso, o desespero pela sobrevivência, a absoluta falta de recurso desses pobres diabos que só faltam deitar no chão pra você passar e não sujar o pé na lixo espalhado aos montes pela rua.

A vontade que dá é ir lá e pedir desculpa pra eles. Olha, gente, desculpa, não devia estar aqui, fazendo turismo em cima do desespero de vocês, tirando foto de dentro do taxi, escovando o dente com água mineral de medo de pegar um piriri, se eu pudesse ajudar, ajudaria, se algo adiantasse, eu faria, mas não tem, então obrigada por tudo, desculpa qualquer coisa, e espero que na próxima vida vocês venham numa circunstância melhor, ou que essa vida aqui tenha bastado, e que vocês não precisem mais pagar pedágio nenhum nesse mundo.

Momento surto também pode. Faz parte da Índia.

3 comentários:

Unknown disse...

Do Puppy:

Esse momento valeu toda a viagem. Foi um vislumbre da real compaixão: sentir isso não somente pelos pobres indianos, mas por todos os seres humanos, inclusive pelos ricos e vaidosos e metidos a espertos.

Não deixe nunca que se diminua no seu coração a lembrança daquele momento de verdadeira aliança com o ser humano seu semelhante.

Valeu a viagem. Valeria mil viagens dessas para ter um momento dessa compreensão.

Que Deus ilumine todos os próximos dias da vossa viagem e da vossa vida.

Unknown disse...

Minha filha,

Este não é um momento surto. É um momento de consciência mais ampla, mais humana, quase divina. E você pode ajudar sim, a já ajudou: um momento desses de consciência já começou a mudar o destino deles. Não apenas o destino material, que, obviamente, também é importante, mas o destino no seu sentido mais amplo. Sua compaixão deu sim força para a alma de todos eles, tenho certeza disto.

Beijos mil,

Puppy e Mammy.

Lu Orvat disse...

assino embaixo do euclidão
era desse momento que tinha medo.
mas o afago bom não tardou a chegar... Deus salve todos os pais do mundo!

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