sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Fotos fresquinhas (mais)

Quase todas as fotos da Índia, versão analógica, em:
http://www.flickr.com/photos/anabeliza
Olha lá!

Fotos fresquinhas


























terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Benares

Benares (Varanasi) é a cidade mais sagrada da Índia, e possivelmente, um dos lugares mais sagrados do mundo. A coisa é tão forte que eles dizem que se você morrer em Benares, sua vaga no setor dos iluminados já está garantida, mesmo que o seu karma não seja lá aquelas maravilhas. Nem preciso dizer a quantidade de hindus que, quando percebem que estão nas últimas, peregrinam pra cá, pra esperar a própria hora.

O coração de Benares é o rio Ganges, e ao longo dele, os gahts e as escadarias que chegam até a água. Lá eles fazem tudo: lavam roupa, tomam banho, fazem as pujas, cremam os mortos. Não tenho coragem de dizer o índice de poluição do rio que li no Lonely Planet, e ainda assim 60 mil indianos tomam banho lá de todos os dias, pra se purificar. Tomam um passe dos padres que ficam por ali, rezam na água e saem de lá felizes da vida, prontos pra começar o dia com o dever espiritual cumprido.

À noitinha o lugar é mágico, a música das pujas, a luz das velas, fica tudo muito envolvente. No canto das cremações, a visão é sempre muito perturbadora, mas quando você se lembra que pra eles é uma felicidade poder liberar o ente querido num lugar tão sagrado, a coisa toda começa a ficar muito bonita.

Passeamos de barco por ali, coloquei uma velinha no Ganges, num cestinho de flores cor de laranja, e pedi pra ela me purificar também, assim, se por acaso sobrar um tempinho depois de atender toda a Índia. Benares é um lugar muito marcante, mesmo.

O próximo e o mais próximo ainda


















Uma das coisas que mais me impressiona aqui é a noção completamente alienígena de espaço, intimidade, privacidade e proximidade que eles têm. Na Índia é tudo escancarado, tão escancarado que pra nós parece invasivo, mas pra eles é a coisa mais natural do mundo. Eles te perguntam até quantos cômodos tem a sua casa, quanto você ganha (em dólar), mas pasme, você pode perguntar tudo isso de volta e muito mais, beirando as raias do absurdo, que eles respondem na boa, explicam tudo, falam mais que a boca, mesmo que no inglês mais mequetrefe que você já ouviu.

Eles só faltam sentar no seu colo, pisam no seu pé, abrem espaço pra passar com o braço, botam a bike por cima, furam fila. Tem horas que você tem certeza absoluta que alguém vai se apoiar no seu ombro pra dar uma descansadinha, afinal, cansa zanzar por aí naquelas ruas empoeiradas, barulhentas e entupidas de gente, vaca, carro, moto, bike e lixo.

Alguns dormem na rua porque não tem onde dormir, isso é verdade, mas os nossos mendigos também dormem na rua e acham um buraco de 1m x 1m pra se enfiar, mas não deitam na beira da estrada. Pra mim, é uma coisa deles, faz parte de tudo deles, é um pacotão onde todas as coisas estão juntas: o jeito que eles ficam nos lugares, quantas pessoas cabem no rikshaw, as lojinhas, eles andando abraçados, de mãos dadas, se encostando o tempo todo, o trânsito, o bazar, a religião, até a maneira de lidar com a morte.

O mulçumano, na hora de rezar, pega a sua toalhinha, põe no chão, ajoelha, encosta a cabeça no chão, reza e vai que vai, discretíssimo, cada um no seu quadrado. Com o hindu não tem essa história, não. O templo é uma confusão, zilhões de pessoas, sinos balangando, incenso, barulho, música, gente sentada no chão, criança, mulherada, padres, santos, turistas, vaca, cachorro, macaco. Trazem de tudo pras divindades: flor, fruta, arroz, dal, pão, vela e o que mais que tiver pela frente, pintam as estátuas dos deuses de tudo quanto é cor nesse mundo, pintam o rosto, desenham com hena na mão. Nada disfarçadinho e contido, do tipo passa água benta na testa que já tá bom e logo mais seca e ninguém nem percebeu.

Eles enrolam os mortos num lençol, levam pra beira do rio, preparam ali, queimam ali pra logo jogar as cinzas no rio, todo mundo olhando, qualquer um, desde a esposa que ficou viúva até o turista bisbilhoteiro que quer ver de perto a atração. Está lá pra quem quiser ver. Pra que esconder a única coisa que todo mundo compartilha? Se eu contasse pra eles que a gente coloca os nossos numa caixa, enche de flor pra disfarçar, vela numa salinha privativa com o nome do ido numa lousinha pra identificar os chegados que vieram se despedir, depois coloca essa caixa num buraco, enche de terra por cima e vai pra casa pra depois voltar de ano em ano e colocar umas florzinhas, tenho a incômoda sensação que eles iriam me perguntar: pra quê?

Tudo é escancarado, carne viva, flor da pele, não tem disfarce, bom-tom, toalhinha pra secar a mão, não tem onde se esconder nem como não ver o que não quer, porque tudo vai estar ali, na rua, na sua fuça, quer você queira, entenda, goste – ou não. Nem me pede pra explicar, mas vou sentir falta disso.

Hinduísmo ao vivo e a (muitas) cores

A gente vê aquelas imagens lindas e sofisticadas do Krishna, do Vishnu e tudo o mais, e fica pensando no hinduísmo como uma religião antiga, tradicional, intocada. Mas chegando aqui a gente lembra (tontos que somos) que o hinduísmo é a religião do povão, mesmo, é o dia-a-dia deles, presente em muito do que eles fazem. Os templos são uma farra, os rituais são lotados, eles pintam os deuses no caminhão pra proteger na estrada, se você espirra, eles logo soltam “shiva bless you”.

Anteontem em Benares vimos uma puja. É meio que uma missa deles, os brahmins vêm pra beira do rio todo o dia e fazem o ritual, que é uma homenagem ao rio Ganges, pedindo pra ela (porque o rio Ganges é uma coisa feminina, a “Ganga Mãe”) purificar e trazer boa sorte pra todo mundo.

Com direito a fogo, sinos, mantras, flores. É bonito, forte. Hipnótico!

O dia em que o Buda falou

Para o budismo existem 4 lugares mega sagrados, e todo budista ninja que se preze deve visitá-los. Kapilvathu, no Nepal (onde o Buda nasceu), Bodhgaya (onde ele se iluminou), Sarnath (onde ele fez seu primeiro discurso e reuniu os primeiros discípulos) e Kusinara (onde ele morreu), essas três últimas cidades na Índia. Estivemos em Sarnath, onde infelizmente sobrou muito pouco das stupas, dos templos e dos mosteiros da época. O sitio arqueológico é um parque super bonito, bem cuidado, e as ruínas são visitadas por budistas, monges, hindus e curiosos do mundo todo. O Dalai Lama ia dar um pulo por lá por esses dias, e por isso a cidade está em polvorosa. Se foi lá mesmo que o barato aconteceu ou não, não importa muito. O lugar tem uma coisa boa mesmo, e só pra garantir, dei uma volta na stupa, comprei meu colarzinho de sândalo e, junto com uma excursão linda de japinhas budistas vestidinhos de branco, dei uma rezadinha. Aqui vale tudo.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Buana buana

Fazendo graça com a minha amiguinha, uma jovem elefanta de 41 anos de idade (eles vivem 100 e cacetada anos!).

-Royal Chitwan National Park, uns 200 km de Kathmandu, no sul do Nepal.

O Nepal é legal

Quem vem da Índia, acha o Nepal um alívio. É mais bonito, menor, menos gente na rua, menos miséria explícita. Apesar disso, o Nepal é um dos países com os índices de desenvolvimento humano mais baixos do mundo, vive (mal) basicamente da agricultura e do turismo, e sob conflitos políticos complicados.

80% do Nepal é hinduísta, e uns 15% é budista. As pagodas (esses tempos com o telhadinho assim em andares) são templos que às vezes são hindus, às vezes, budistas, e às vezes, os dois. É engraçado, aqui é muito misturado mesmo. Em alguns lugares, existem as stupas, que são templos budistas diferentes, não tem imagens do buda como nesses templos híbridos, são mais tradicionais e geralmente estão em áreas que receberam influencia dos tibetanos refugiados no Nepal. São uns templos circulares, com aquelas bandeirinhas (que vemos nos filmes) penduradas, sempre próximas a um ou mais mosteiros budistas. Os monges (e toda a galera da vizinhança) sai no comecinho da noite, fica andando em volta da stupa, repetindo o mantra.

Nepal e Índia são países muito próximos, não só fisicamente, mas culturalmente e politicamente. Não precisa de vista nem passaporte pra ir de um país pro outro, nepalenses podem trabalhar na Índia e vice-versa, um aceita dinheiro do outro, alguns nepalenses falam bem indi, e assim eles vão se virando. O oposto acontece com a outra turminha com quem o Nepal faz fronteira: Tibet e China.


O Nepal é enormemente procurado pelo povo que faz trekking, escalada, e um dos bairros de Kathmandu, o Thamel, é quase uma base pro povo se encontrar e se preparar pra subida. O Mt. Everest é aqui, e também os Anapurnas. Pra quem tem coragem e pique, existem incontáveis trilhas, que vão de 2h à meses, depende do seu nível de insanidade mental!


O motorista que fechamos pra um passeio para os lugares bacanas perto Kathmandu, o Krishna, é um brahmin, casta dos padres e homens religiosos. Casamento arranjado com 16 anos, o Krishna tem 4 filhas e não seguiu carreira como padre (existe uma prova, que precisa estudar pra caramba, e dar conta de um conteúdo que inclui ler e escrever sânscrito) porque, segundo ele, é muito difícil fazer dinheiro, uma vez que se vive de doações e dos serviços prestados pras pessoas, que pagam por job, tipo um freela mesmo.


Os nepalenses se orgulham muito de nunca terem sido dominados por outro país, como a Índia foi pelos britânicos e nós pelos portuga. Apesar disso, a situação política do Nepal tem passado por anos negros nas últimas décadas, numa transição mega complicada da monarquia pra democracia. Em 2006, depois de muita confusão, incluindo um massacre da família real, repressões e manifestações populares, o poder do rei foi destituído, e o parlamento instaurado de novo e dessa vez, com mais chance de ser definitivo. Para os nepalenses, é um novo começo, e todos com quem conversamos sobre o assunto estão otimistas e ansiosos pra ver qual ver ser a de agora, se o governo se estabiliza e consegue fazer alguma coisa pra melhorar a vida do povo, principalmente complicada no interior e na fronteira com o Tibet. Tomara!

Pashupatinath

Pashupatinhat é o templo Hindu mais importante do Nepal, e é super visitado por devotos e por sadhus (homens sagrados hindus, que ficam vagando por aí), inclusive por indianos. Ele fica na beira do rio Bagmati, e nós, não-hindus, só podemos dar uma volta pelas áreas externas, nada de entrar dentro do templo, que é enorme. À beira do rio, que funciona meio como um rio Ganges pra eles, acontecem as cremações, que deve ter sido a coisa mais impressionante que eu já vi na vida. Ver a morte e a destruição do corpo assim, de um jeito tão explícito, é um tormento inexplicável, principalmente pra nós que viemos de uma cultura onde a morte é muito mais escondida, disfarçada. A gente sabe o que vai acontecer, mas não vê acontecendo. Ali, na beira do Bagmati, vendo tudo, a preparação da pira, a fumaça, a família olhando (nada do chororô dos nossos velórios, ficam ali bem quietinhos, juntinhos, sentados pertinho, em silêncio) não tem como desviar do assunto, não como desviar o olhar, não tem como desviar o pensamento da verdade tão crua de que a vida um dia acaba. É, amigo.



"Num mundo onde a morte é o caçador, não há tempo para remorsos nem dúvidas. Só há tempo para decisões." (Carlos Castañeda)

A foto é dos pozinhos que eles vendem na porta do templo, porque eles têm o hábito de passar essas cores nas imagens das divindades.

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