terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O próximo e o mais próximo ainda


















Uma das coisas que mais me impressiona aqui é a noção completamente alienígena de espaço, intimidade, privacidade e proximidade que eles têm. Na Índia é tudo escancarado, tão escancarado que pra nós parece invasivo, mas pra eles é a coisa mais natural do mundo. Eles te perguntam até quantos cômodos tem a sua casa, quanto você ganha (em dólar), mas pasme, você pode perguntar tudo isso de volta e muito mais, beirando as raias do absurdo, que eles respondem na boa, explicam tudo, falam mais que a boca, mesmo que no inglês mais mequetrefe que você já ouviu.

Eles só faltam sentar no seu colo, pisam no seu pé, abrem espaço pra passar com o braço, botam a bike por cima, furam fila. Tem horas que você tem certeza absoluta que alguém vai se apoiar no seu ombro pra dar uma descansadinha, afinal, cansa zanzar por aí naquelas ruas empoeiradas, barulhentas e entupidas de gente, vaca, carro, moto, bike e lixo.

Alguns dormem na rua porque não tem onde dormir, isso é verdade, mas os nossos mendigos também dormem na rua e acham um buraco de 1m x 1m pra se enfiar, mas não deitam na beira da estrada. Pra mim, é uma coisa deles, faz parte de tudo deles, é um pacotão onde todas as coisas estão juntas: o jeito que eles ficam nos lugares, quantas pessoas cabem no rikshaw, as lojinhas, eles andando abraçados, de mãos dadas, se encostando o tempo todo, o trânsito, o bazar, a religião, até a maneira de lidar com a morte.

O mulçumano, na hora de rezar, pega a sua toalhinha, põe no chão, ajoelha, encosta a cabeça no chão, reza e vai que vai, discretíssimo, cada um no seu quadrado. Com o hindu não tem essa história, não. O templo é uma confusão, zilhões de pessoas, sinos balangando, incenso, barulho, música, gente sentada no chão, criança, mulherada, padres, santos, turistas, vaca, cachorro, macaco. Trazem de tudo pras divindades: flor, fruta, arroz, dal, pão, vela e o que mais que tiver pela frente, pintam as estátuas dos deuses de tudo quanto é cor nesse mundo, pintam o rosto, desenham com hena na mão. Nada disfarçadinho e contido, do tipo passa água benta na testa que já tá bom e logo mais seca e ninguém nem percebeu.

Eles enrolam os mortos num lençol, levam pra beira do rio, preparam ali, queimam ali pra logo jogar as cinzas no rio, todo mundo olhando, qualquer um, desde a esposa que ficou viúva até o turista bisbilhoteiro que quer ver de perto a atração. Está lá pra quem quiser ver. Pra que esconder a única coisa que todo mundo compartilha? Se eu contasse pra eles que a gente coloca os nossos numa caixa, enche de flor pra disfarçar, vela numa salinha privativa com o nome do ido numa lousinha pra identificar os chegados que vieram se despedir, depois coloca essa caixa num buraco, enche de terra por cima e vai pra casa pra depois voltar de ano em ano e colocar umas florzinhas, tenho a incômoda sensação que eles iriam me perguntar: pra quê?

Tudo é escancarado, carne viva, flor da pele, não tem disfarce, bom-tom, toalhinha pra secar a mão, não tem onde se esconder nem como não ver o que não quer, porque tudo vai estar ali, na rua, na sua fuça, quer você queira, entenda, goste – ou não. Nem me pede pra explicar, mas vou sentir falta disso.

Nenhum comentário:

Seguidores